terça-feira, 16 de setembro de 2014

OS BEATNICKS DE MOÇAMBIQUE


Os Beatnicks foram um grupo musical originário de Lourenço Marques/Moçambique, idealizado e criado pelo seu primeiro e excelente vocalista, Carlos Duarte (aka Ass), formado em meados de 1965, tendo ao longo da carreira sofrido várias metamorfoses, como na generalidade dos grupos. 

Por volta de 1965, já Carlos Duarte andava a congeminar o nome para um grupo, influenciado especialmente pelos Beatles, pretendendo para tal, um nome algo semelhante. 

Em termos sociais, os “beatniks” foram um movimento sócio-cultural iniciado nos anos 50 e princípios dos anos 60 que subscreveram um estilo de vida anti-materialista, na sequência da 2.ª Guerra Mundial.

O autor Jack Kerouac introduziu a frase "geração Beat" em 1948, generalizada do seu círculo social para caracterizar o submundo da juventude anti-conformista, reunida em Nova Iorque naquele tempo.

Foi sem dúvida um “movimento” existencialista, com maior incidência nos EUA e na Europa e com claras influências sociais, como por exemplo no modo de vestir (roupa apertada, de cor escura, botas apertadas e esguias, calças pretas), em que a juventude gostava de mostrar a sua oposição às regras estabelecidas.

Os locais de encontro eram os chamados “Beat” e, como tal, “Beatniks”, que elegeram como suas estrelas, Bob Dylan e outros músicos do mesmo estilo.

Carlos, acabou por copiar o nome, acrescentando-lhe no entanto um “c” ao “k”, ficando finalmente Beatnicks.

Os dois primeiros elementos dos Beatnicks foram Carlos Duarte (vocalista) e Jorge Estrela (baixista) que se tinham conhecido aproximadamente entre 1964 e 1965. O conhecimento surgiu através de um amigo comum, Zé Gonçalves (o Merceeiro).

Carlos e Estrela eram apaixonados por guitarras e ambos adoravam Bob Dylan e canções de protesto.

Em 1966, conheceram Ricardo Fernandes que gostava de tocar bateria (embora, até então, se tivesse sentado muito pouco tempo em frente de uma).  Passaram-se uns meses e no final de 1966 decidiram que iriam tocar numa festa de fim de ano.

O irmão de Carlos Duarte (Tomaz) entrou em contacto com o dono (o grego) do restaurante/salão de chá Kassimatis, na Matola (localidade na periferia de Lourenço Marques), para formalizar a actuação do grupo.

Nessa altura, faltava menos de um mês para o Ano Novo (66/67) e Carlos conheceu Zeca Vedor, elemento ligado à Associação Africana da cidade e que tocava viola ritmo. Por sua vez, Zeca tinha também um amigo músico, Faruk, excelente viola solo e, sem dúvida, o mais capaz como músico.

Nesta altura, a formação original do grupo era a seguinte: 

Carlos Duarte – vocalista 
Jorge Estrela – viola-baixo (estudante universitário) 
Ricardo Fernandes – baterista 
Faruk – viola-volo (talentoso guitarrista) 
Zeca Vedor – viola-ritmo 

Começaram a ensaiar em casa do Ricarde (junto ao Hotel Girassol), mas os instrumentos eram precários e praticamente inexistentes, assim como a aparelhagem de som. Tocavam com violas acústicas, cantando as músicas em voga que passavam na LM Radio, os últimos êxitos do hit parade, como os Beatles, os Rolling Stones, os Monkees e outros grupos beat da época. 

Na noite da passagem de ano conseguiram arranjar uma bateria emprestada, meio “fanhosa” que pertencia à Associação Africana. Descobriram também um microfone com uma coluna no Restaurante Kassimatis. O seu repertório era diminuto e cingia-se a cerca de 20 músicas, sendo uma ou duas de Roberto Carlos.

Foi com esse repertório que tocaram toda a noite e os clientes presentes dançaram, cantaram, divertiram-se e gostaram da “banda”.

No dia seguinte, pela cidade, começou o falatório sobre o grupo do “ASS”, entre a juventude laurentina.

Pouco depois, Carlos Duarte apercebeu-se que Joe Mendes (que tinha sido vocalista dos Corsários, um famoso grupo da cidade) e que nessa altura se andava a candidatar a “empresário”, queria falar com ele. No encontro, Joe questionou Duarte se o grupo gostaria de actuar no primeiro “Encontro da Juventude” que iria realizar-se no Pavilhão do Sporting de Lourenço Marques, no dia 22 de Janeiro de 1967.

Mais uma vez a decisão e a preparação se tornava difícil, uma vez que a falta de uma aparelhagem e instrumentos capazes se mantinha. Mas a ideia foi para a frente e a participação do grupo correu bem e com sucesso. O público invadiu o recinto com gritos efusivos de alegria e com cartazes! Uma das músicas que mais impacto teve nesse show foi “Ticket To Ride”, dos Beatles e segundo Carlos Duarte, a casa veio a baixo! 

Os Beatnicks originais duraram menos de um ano e tinham a composição já referida. No entanto, o conjunto “quebrou” no final de 1967, quando do referido Concurso Yé Yé “Encontro da Juventude”, promovido pelo M.N.F., tendo ficado na 5ª posição. Começaram a surgir ofertas e propostas para Carlos Duarte se juntar a outras bandas mais prestigiadas e profissionais e este acabou por se juntar aos Corsários que nessa época já tinham bastante fama e sucesso.

Sem dúvida que o êxito inicial do grupo se deveu essencialmente à perseverança e ao impacto do seu excelente e endiabrado vocalista Carlos Duarte, um showman por natureza: extrovertido, meio “desatinado”, sempre disposto a saltar do palco e permanentemente acrescentando mais alguma coisa às suas actuações, diversificando, inovando, colocando o seu cunho pessoal, a sua assinatura em cada música, em cada actuação e interpretação das músicas em voga.

Os temas eram cantados com alma, com o som e a harmonia aproximados ao original, com um toque de rock progressivo e soul como em “Nineteenth Nervous Breakdown”, dos Stones que punha o público em delírio

Mesmo com o regime político vigente na época, a juventude queria quebrar as correntes…O ambiente nacional (guerra colonial) e o internacional (Vietnam) fazia com que a juventude se apercebesse das mudanças em curso. “With God On Our Side”, de Bob Dylan era uma espécie de hino, a desafiar os poderes estabelecidos. 

Carlos Duarte deslocou-se também à cidade da Beira, acompanhado pela sua guitarra acústica e actuou num show, cantando com sucesso “The House Of Rising Sun”…foi uma pequena loucura, segundo nos confidenciou.

Se é verdade que com a saída nesse ano de Carlos Duarte para os Corsários foi um rude golpe para o grupo, os Beatnicks no entanto não baixaram os braços nem pararam, dando continuidade ao projecto. 

Assim, entra Duarte Nuno (estudante e posteriormente membro da "Onda Pop", suplemento musical do jornal Notícias de Lourenço Marques) para vocalista, onde permanecerá por pouco tempo (cerca de 6 meses).

Pouco depois, é também integrado Ricardo Vaz Monteiro como organista, bastante activo e expressivo em palco, como daquela vez em que saltou para cima do órgão em plena actuação num dos programas que se efectuavam aos domingos à noite no auditório do RCM.

No final de 1967, Duarte Nuno (por imperativos dos seus estudos), assim como Vaz Monteiro, deixam a banda. Algum tempo depois, também Jorge Estrela abandona o grupo. Entra para vocalista Jerry, ao qual se juntou também Sebastião (“Sebas”, organista), passando Zeca Vedor para viola baixo.

Foi nesta etapa da vida do grupo que este se reequipou com os seus próprios instrumentos, material esse que, segundo Duarte Nuno, foi adquirido na Casa Somorel, como por exemplo a aparelhagem de som ou as violas e amplificadores “Vox”, excelentes na época, criando assim uma boa autonomia para o grupo.

Apesar das alterações, com as movimentações e com os novos elementos, o grupo ainda assim manteve a sua actividade com bastante qualidade.

A banda continuou a carreira, evoluiu, por vezes alterando o seu estilo, mas mantendo-se em actividade até ao 25 de Abril/74 quando alguns dos seus elementos regressaram a Portugal onde continuariam a tocar por mais alguns anos. 

Que nós tenhamos conhecimento, infelizmente o grupo nunca editou qualquer disco. No entanto, sabemos que foi gravado ao vivo, com a participação desta banda, um programa em directo que ia semanalmente para o ar aos domingos à noite no auditório do Rádio Clube de Moçambique (R.C.M.) e onde eram apresentados grupos da cidade (um por semana). A existir essa gravação, tornar-se-á no único registo áudio do grupo. 

Por falta de fontes de informação, não conseguimos apurar ou confirmar a passagem/integração e/ou a época em que o guitarrista Carlos da Silva Pereira (já falecido) tivesse feito parte do grupo.

Colaboração de Carlos Santos

8 comentários:

Carlos Santos disse...

Eu próprio (foto), neste Verão no Algarve, junto a um Unimog 404...a lembrar velhos tempos!
Abraço,

Carlos Santos

Anónimo disse...

Muito obrigada pelo esforço e pelo excelente trabalho de investigação. Provavelmente o meu pai terá estado ligado a outra banda. Não vai ser nada fácil mas vou tentar saber mais coisas dele.
Mais uma vez obrigada!

gps disse...

para quando o livro "ié ié em moçambique" ?

ié-ié disse...

estou farto de insistir nisso...

LT

Anónimo disse...

Olá. Para acrescentar uns pontos: Em 1973 toquei (em Portugal), com os Mozambeat, anteriormente Beatnicks, vindos de Moçambique, mas já havia uns Beatniks em Lisboa e mudaram o nome. Deste grupo faziam parte o Zeca Vedor, baixo - o Garrido, baterista - o Matias António Xavier (Max), cantor - o Faruk, guitarrista, e eu, José Moz Carrapa a substituir o organista Tino. Em 1974 três destes músicos regressaram a Moçambique.

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ié-ié disse...

Obrigado pela informação!

LT

Anónimo disse...

Foto dos Beatnicks/Mozambeat em 1973 (Covilhã - Serra da Estrela)

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Anónimo disse...

Alguem sabe do paradeiro do Faruk?