domingo, 28 de setembro de 2008

RUI PATO


Antes de tudo e de mais, o Rui Pato foi meu companheiro de brincadeiras de infância no Bairro Marechal Carmona, actual Bairro Norton de Matos, no Calhabé, em Coimbra.

Por causa dele, cheguei a partir a cabeça do meu irmão mais velho à pedrada.

Rui de Melo Rocha Pato nasceu em Coimbra, no dia 04 de Junho de 1946, filho do jornalista-fotógrafo Rocha Pato, chefe da delegação de Coimbra de "O Primeiro de Janeiro" e, mais tarde, do "Diário Popular".

Pertence à "geração de viragem" da "canção de Coimbra", tendo sido o acompanhante à viola de José Afonso, por escolha deste, na primeira fase da sua carreira na balada, de 1962 a 1969.

Rui Pato tinha apenas 16 anos quando acompanhou José Afonso em "Menino de Oiro", "Tenho Barcos, Tenho Remos", "No Lago Do Breu" e "Senhor Poeta", em 1962.

A dupla com José Afonso foi interrompida pela PIDE em 1970 quando a polícia política impediu que Rui Pato seguisse para Londres para gravar "Traz Outro Amigo Também", na sequência da crise académica de 69.

(Em vão o esperei em Março desse ano em Londres. Em sua substituição foi o Bóris, Carlos Correia - nota do signatário).

Rui Pato conheceu José Afonso através do Pai, que era amigo de Zeca. Rocha Pato doou a sua correspondência com Zeca ao Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra.

Numa ida a Coimbra, no início da década de 60, José Afonso mostrou aos amigos um outro tipo de música, sem o "espartilho da guitarra de Coimbra".

Tratava-se de uma grande liberdade rítmica, que necessitava apenas de uns leves acordes de viola para sublinhar o poema que era o mais importante da canção. Coube a Rui Pato executar esses leves acordes de viola.

Mas Rui Pato não se limitou, exclusivamente, a acompanhar José Afonso. Entre 1960 e 1971 foi também um dos principais acompanhantes de Adriano Correia de Oliveira.

Reputado pneumologista, Rui Pato é hoje presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Coimbra, EPE.

Este ano, surpreendeu os amigos em confraternização na Praia de Mira com uma vibrante interpretação à viola de "Apache", um clássico dos Shadows.

Foi-lhe então perguntado se, à margem de José Afonso, alguma vez espreitou o ié-ié e a guitarra eléctrica, ao que respondeu que chegou a fazer parte de um conjunto, os Beatnicks, que fazia o tradicional percurso dos bailes de estudantes.

Mais recentemente, Rui Pato confessou que já não tem guitarras eléctricas:

Embora já tenha passado na adolescência por outros tipos de guitarras, actualmente não tenho nenhuma eléctrica, nem tão pouco uma acústica. Só tenho guitarras clássicas. Aqui convém esclarecer que a guitarra de Coimbra, a de fado, assim como a guitarra de Lisboa, não têm nada a ver com a guitarra de que estamos a falar.

Estamos a falar de "violas", ou seja, guitarras clássicas. Neste aspecto, uma guitarra clássica só tem alguma categoria se fôr fabricada por especialistas (lutiers), com madeiras raras que estiveram em estufa a secar mais de uma dezena de anos .

Os grandes mestres da sua fabricação são espanhóis (Ramirez, Rubio, etc) , mas existem alguns grandes fabricantes na América do Sul, incluindo o Brasil, onde há fabricantes excepcionais (Di Giorgio).

Claro que existem fabricantes industriais de boas guitarras feitas em série, muito mais baratas, mas... não têm nada a ver...

Tenho actualmente três guitarras (violas): uma Odemira, da fábrica Luso-Espanhola, fabricada em 1967, uma do Luís Filipe Roxo, fabricada em 1980, e uma (a melhor de todas), de um fabricante de Braga , o Jorge Ulisses, feita em 1999.

Quando fôr rico, quero ter uma Ramirez, do modelo topo de gama!
PS - Há precisamente 10 anos - 29 de Setembro de 1998 - recebi uma missiva de Rui Pato, onde referia a nossa amizade de calções nas praças da nossa infância.

Colaboração de Luís Pinheiro de Almeida

9 comentários:

gin-tonic disse...

Finalmente o dono do quiosque deixou de andar a lagartar ao sol e decidiu-se a escrever um comovente texto sobre um nome incontornável da música popular portuguesa. Se pegarmos nos discos do Adriano, do José Afonso lá vamos encontrar a viola de Rui Pato nos acompanhamentos. Para não falar na participação nos cantos NÃO livres dos tempos de antes de Abril. Rui Pato nunca se colocou em bicos de pés, limitando-se a fazer o seu trabalho. Não muitos o conhecerão, mas pertence aos tais "imprescindiveis" de que se fala num poema de Bertold Brecht.

JC disse...

Alguma ligação c/ os produtores de vinho da Bairrada?

Edward Soja disse...

Um artigo assim é mais que merecido.

Eu acho que muita da tensão dramática das canções de Coimbra (fados e baladas) está nas violas acompanhantes.

Como esquecer portanto um homem tão importante como Rui Pato? Ou Durval Moreirinhas? Ou Fernando Alvim?

São os nomes por trás de outros nomes...

Obrigado pelo artigo, amigo.

ié-ié disse...

Pedi a Rui Pato uma resposta à questão levantada por JC (parentesco com Luís Pato, produtor vinícola). Ei-la:

Relativamente à questão do parentesco com o Engº Luis Pato, uma vez encontrámo-nos e estivémos os dois a falar sobre o assunto e
concluímos que deve de facto haver algum parentesco já que as duas
famílias são da mesma localidade - Anadia . Só que esse parentesco é
apenas uma suposição.

Um abraço
RPato

JC disse...

Obrigado. Mas, independentemente de parentescos, duas personalidades ímpares e inovadoras, cada um no ramo de actividade que o celebrizou.

Anónimo disse...

Estes Beatnicks são os mesmos que chegaram á decada de 80 (com um tema chamado "Blue Jeans") e que na década de 70 incluíam na sua formação Lena D'água e Tó Leal ?

ié-ié disse...

Não, não!

LT

calhabécirculação disse...

Este Bairro onde viveu Rui Pato na Praça de Ceuta nunca teve o nome de Bairro de S. José. O Bairro de S. José situa-se junto ao Jardim Botânico de Coimbra. O Bairro do Rui Pato, quando foi edificado pelo Estado Novo no planalto da Quinta da Cheira (onde eu nasci), recebeu o nome de Bairro do Calhabé. Mudou depois para Marechal Carmona e Norton de Matos.
Pedro Martins

ié-ié disse...

Obrigado, corrigido. A confusão deve-se, creio, à Igreja de São José, perto do Estádio.

Já agora, o Bairro (como é também conhecido), foi construído num local chamado Casal do Bedel a partir de 1947.

LT